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As pessoas cegas, como vivem a pandemia?

06 novembro 2020

A incerteza, o medo, o pânico e a desorientação tomaram conta das nossas vidas. 

Este é o relato do João Pedro Fonseca.

Enquanto cego muita da informação sensorial que recebo é através do tato e da audição. Em tempos de pandemia o tato torna-se num grande perigo, devido à enorme frequência de toques em superfícies que podem estar contaminada, nomeadamente para localizar o corrimão da escada, a fechadura da porta, a máquina multibanco ou a entrada e saída de um transporte público ou edifício – receios de quem tem de sair de casa e circular de forma diferente. 

Março de 2020 ficará para a história. Um invisível vírus conseguiu mexer no mundo, esvaziar de pessoas os passeios das ruas, fechar lojas e substituir o som do trânsito por um estranho e pesado silêncio.

Deixámos de poder conviver uns com os outros, beijar, abraçar e tocar. Higienizamos as mãos, a pega e a ponteira da bengala sempre com medo.

Quem não vê, como eu, não tem a noção da distância à qual os outros se encontram. Esta situação não depende só de nós. Quando entro num transporte, numa sala de espera ou noutro espaço fechado, fico dependente do bom senso de quem lá está e das indicações para me deslocar para ficar num local mais seguro.

Todos sabemos quão difícil foi o confinamento, mas nós, os cegos, estamos mais desprovidos de conteúdos e atividades.

Fui contaminado com o vírus Covid 19 e agora estou em casa. A minha atividade de psicólogo no Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto está suspensa.  Acredito que a reação à notícia não terá sido muito diferente de todos os que recebem o mesmo resultado.

As diferenças regressam ao período do confinamento. Contam-se pelos dedos das mãos as distrações à nossa disposição: falo das séries da televisão, dos jogos de telemóvel e computador, de textos importantes, das redes socais, das videochamadas e tantas outras coisas que a maravilha da tecnologia digital disponibiliza e onde o sentido da visão é rei. 

Ler um bom livro em braille ou digital, ouvir uma boa música e fazer pequenos exercícios físicos  de relaxamento em casa são, agora, as minhas rotinas.  Não perdi a interação com quem vivo, claro, cumprindo sempre as regras de segurança. 

Mas nem sempre a pessoa cega vive acompanhada. O  suporte da família,  dos amigos ou dos serviços da comunidade podem ter um papel mais relevante no acesso a bens de consumo, às refeições ou à simples companhia virtual. 

Eu utilizo o computador,  o telefone, a família, os amigos. Estou doente mas quero manter-me ativo. Por isso, digo a todos os cegos doentes ou em isolamento profilático que comuniquem e circulem em casa com cuidado. Se gostam de cozinhar aproveitem o momento. Libertem-se da barreira e proporcionem a si mesmos bons momentos neste tão difícil em que vivemos.

Acima de tudo, para cegos e não cegos, a ideia é que a situação passará, quem está doente curar-se-á e quem cuida verá num espaço mais ou menos breve o seu ente querido recuperado. 

Em três palavras, esperança, resiliência e inteligência são a chave do sucesso.

Atualizado a 24-11-2020

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